terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Prólogo. 

        Eu participei da história a seguir como será mais tarde revelado, e acredito em certo momento ter visto o verdadeiro Predgel.
       Aquilo me marcou muito por décadas, mas foi só recentemente que pude retomar esse passado e pesquisar sobre os predgelianos essenciais, que acredito serem os seguidores do verdadeiro predgelismo, ao contrário do que se acredita atualmente.
       Procurei descobrir o paradeiro de certos personagens, que hoje estariam – se realmente existiram - com idades avançadas; mas não obtive sucesso até o momento.
        As seguintes páginas formam um panorama geral de minha visão sobre os primeiros anos do predgelismo. Minha intenção foi de elaborar uma história fiel à verdade, mas os fatos neste caso são muitas vezes mais fantásticos que os do mundo da imaginação.


Predgel, O Messias.
1° Movimento - Prelúdio e Sagração



I – Lovirana, a Nova Terra.

Em que, finalmente, é chegado o dia da vinda do Messias.
E em que o mestre Lofel Vejusalém encontra Simas Razoão, a quem ele chama carinhosamente de Razuin, e prepara seu discípulo dizendo a aventura humana precedente.

       Havia oceanos, dentre os mais extensos que se tem registro no universo. Na superfície d’água deitavam-se sombras imensas, alternadas com ilhas de luz, até onde a vista era capaz de alcançar. Tais sombras não eram apenas de nuvens, mas também das copas de formações arbóreas bem maiores que montanhas e ilhas, maiores até que continentes. E de uma beleza gótica.
       Havia uma costa, uma praia, e uma figura de pé sobre uma rocha, a observar as águas. Um jovem aproximou-se do homem esguio, de longas barbas cinzentas e postura imponente, e disse:
       − Mestre Lofel, veja que bom dia. Não haveria dia mais apropriado pra uma grande revolução de paz.
       − Sim, rapaz. É no dia sagrado de hoje que, pelas águas, virá Predgel, nosso Salvador.  
       − E no que consistirá esta salvação, mestre?
       − O homem é pecador, caro Razuin, e necessita ser salvo de sua natureza mundana. Vieste em boa hora, pois acredito ser chegado o momento de tu saberes mais sobre nossas origens. Nascemos da mãe Terra. Nela vivemos por séculos, e há séculos a Terra sucumbiu à devastação humana.  Naqueles dias finais, o pequeno globo azul agonizante expeliu seus últimos esporos com vida, que cobriram os céus e dissiparam-se pelo espaço sideral, como dentes de leão ao vento solar. Não havia destino certo, só a esperança de a vida ser uma criação tão valiosa que tudo conspirasse para que ela encontrasse sustento em outros portos.
       − A antiga Terra foi devastada?
       − O planeta esgotou-se. Suprir as insaciáveis e cada vez mais excêntricas necessidades do homem - sua criatura máxima – consumiu-a. Nos tempos finais, as necessidades humanas vinham se tornando cada vez mais bizarras, e eram seguidas de avanços tecnológicos para suprir tais necessidades que exauriam sistematicamente os recursos. O colapso era previsível, mas sempre se encontravam justificativas para dar continuidade à exploração, e assim a devastação nunca parou. Quando o momento de morte da mãe Terra se aproximou, os homens já haviam investido todo seu conhecimento em um plano de fuga, e se lançaram em naus projetadas para serem levadas pelo vento solar como se fossem esporos.
       − O que estes homens levaram com eles, mestre?
       − Um grupo de naus optou por abandonar na Terra toda cultura e religião, inclusive milhares de invenções consideradas tão essenciais ao bem-estar diário. Para aquele grupo, cultura e religião seriam iniciadas do zero. Outras naus - consideravelmente maiores – levaram, por sua vez, registros de tudo que o homem criou, para efetivamente continuarem a aventura humana de onde ela parou. E havia muito mais naus, com todas as variações entre esses extremos, como há inúmeras variações genéticas dentro de uma amostra de gametas. O homem, no auge de suas conquistas, conseguiu recriar o milagre ancestral dos dentes de leão, em escala universal.
           − Então estas plantinhas que vemos pelos campos loviranos, os dentes de leão, são originárias da Terra?
           − Sim, Razuin, assim como alguns outros seres vivos que nossos ancestrais diretos optaram por transportar, como ovelhas e pintassilgos. O sucesso no congelamento dos passageiros por tempo indeterminado foi a última barreira vencida para colonização do universo. Antes, apenas seres microscópicos, como bactérias e vírus, tinham tal capacidade - também é uma estratégia típica das bactérias e vírus abandonar um organismo moribundo momentos antes da morte deste, para que não pereçam juntos. E o homem, que antes aprendera com a natureza a voar e a navegar, aprendeu com os esporos a conservar-se em estado suspenso, por tempo indeterminado, em ambientes inóspitos.
       − Quando foi tudo isso, mestre Vejusalém?
       − Há milhares de anos. Milênios se passaram desde aquela aventura. A Terra era um planeta pequeno, dez vezes menor que nosso atual planeta, Lovirana, que foi um dos portos alcançados nas estrelas tornou-se nosso lar desde então. As dimensões do nosso oceano único fariam os antigos oceanos terrenos parecerem poças de chuva. E as setentrionas - estas formações arbóreas gigantescas que cobrem os céus com seus braços - têm algo de vegetal, de mineral e até de animal em sua constituição. Elas brotam esparsamente do solo dos mares e, em intervalos de séculos, se tornam continentes arbóreos vivos. Seus imensos braços suportam várias cidades - por vezes países inteiros. Podemos não perceber, pois sempre vivemos aqui, mas temos dimensões microscópicas em Lovirana. Alguns dizem que o homem colonizou Lovirana, outros dizem que ele a parasitou.
       − Na Terra não era assim? O homem não vivia em setentrionas?
       − Lá as dimensões do homem permitiam sua dominância. Ele vivia sobre placas flutuantes de rocha. Com seu tamanho e capacidade reprodutiva subjugou tudo e todos. Nossos ancestrais diretos faziam parte de grupos intermediários que, ao partirem da exaurida e derrotada Terra, optaram por abandonar várias crenças e muito da tecnologia mais avançada. Desfizeram-se de tudo que julgavam ser excessivo e que ameaçasse perpetuar a devastação. Essa ideologia era seguida por uma minoria na época, mas foi exatamente esta minoria que, no desenrolar dos acontecimentos, alcançou portos seguros. E, enfim, neste sagrado dia, o Criador nos enviará o Salvador cujos lábios pronunciarão as palavras divinas que determinarão todo o restante de nossa história. E até este nosso diálogo, veja só meu caro, estará escrito para toda a eternidade, pois estará sendo o diálogo que antecede a chegada d’Ele.  
       Razuin hesitou em falar algo após esta afirmação.  Decidiu que analisaria com mais zelo suas palavras.

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